quinta-feira, 14 de abril de 2016

Mitos e lendas sobre a Criação do Mundo

“Nós vemos a obra do Grande Espírito
em quase tudo que existe: no sol, na lua,
nas árvores, nos ventos,
nas montanhas...
Acreditamos num Ser supremo,
com uma fé mais forte
que a de muitos “brancos”
que nos chamam de pagãos.”

Tatanga Mani da Nação Stoney (Canadá)

            Há milhares de anos, povos das mais diversas culturas têm criado histórias para dar sentido ao mundo ao seu redor. Os mitos não se baseiam somente em fatos. Muitos deles descrevem as crenças de povos antigos e revelam os deuses e as deusas por eles adorados. Alguns deuses míticos foram representados com a aparência humana. Eles exerciam grande poder sobre o mundo desde a Antiguidade. Antes de compreenderem os acontecimentos naturais com a ajuda da Ciência, como as tempestades, as enchentes, o pôr-do-sol ou até uma boa colheita, as pessoas acreditavam que tudo isso fosse causado pelos deuses.
            No começo, os mitos não eram escritos. Os poetas e os contadores de histórias guardavam tudo na memória e transmitiam para as gerações seguintes. Mais tarde, os escribas começaram a registrar as histórias tradicionais. Escritores da Grécia e da Roma antigas, da China e da Índia deixaram registros de seus mitos mais importantes para as próximas gerações lerem. Em outras culturas, como algumas africanas, a norte-americana e a aborígene australiana, os mitos ainda são relatados oralmente.
            Antes de as pessoas conhecerem a origem do mundo, os mitos já existiam para explicar como os seres e as coisas haviam sido criados. São histórias sobre os primeiros tempos da Terra e o surgimento dos seres humanos, das plantas e dos animais. Em vários mitos, terra e mar teriam sido formados a partir do caos ou do nada por um grande deus ou espírito.

Histórias Indígenas

            No Brasil atual, vivem cerca de 900 mil índios, que falam 274 línguas e se dividem em 305 etnias (Censo 2010, IBGE). Muitas dessas línguas são tão diferentes entre si quanto o português com relação ao russo ou ao árabe. Cada povo possui a sua língua e a sua cultura, que são também bastante distintas umas das outras.
            O Brasil é, portanto, um dos países com a maior diversidade cultural e linguística do mundo. Quando chamamos todos esses povos que vivem aqui de indígenas, não conseguimos perceber a diversidade real que os caracteriza. O nome “indígena” não deve nos fazer esquecer da existência dos Yanomami, dos Marubo, dos Guarani, dos Bororo, dos Kuikuro, dos Wayâpi, dos Desana, dos Kaxinawá e de outros tantos povos distribuídos  por todo o Brasil e por seus países vizinhos.
            Essa diversidade de línguas e de culturas faz com que os povos indígenas tenham, também muitos conhecimentos. Eles tem os seus modos de classificar os animais e as plantas, sabem nomes de constelações e conhecem remédios para curar diversas doenças, além de possuírem muitas festas e rituais.
            Uma das maneiras mais importantes de transmitir todos esses conhecimentos é pela tradição oral. Através dela, algumas pessoas consideradas mais sábias, em geral os mais velhos e o pajés, costumam narrar histórias sobre a formação do mundo e dos seres humanos, além de toda uma série de acontecimentos que se passaram nos tempos antigos.
            Na tradição europeia, o mito é considerado algo fictício ou fantasioso, em suposta oposição aos acontecimentos históricos, que seriam verdadeiros, comprovados por documentos e fatos. Segundo esse ponto de vista, as narrativas contadas pelos povos indígenas não poderiam ser verdadeiras porque tratam de temas extraordinários, como os feitos dos espíritos, a vida depois da morte ou a transformação de humanos em aniamis. Elas não passariam, portanto, de mitos, lendas ou contos, mas não histórias que, do ponto de vista de seus narradores, realmente aconteceram.
            Através do estudo de outras culturas e formas de pensamento, sabemos hoje que a verdade não é universal, assim como as formas pelas quais pode ser contada. O importante, assim, é saber que essas narrativas são verdadeiras do ponto de vista dos povos indígenas, tão verdadeiras quanto são para nós as histórias da independência do Brasil ou da evolução humana.
            É através desses episódios, escutados da boca dos narradores, que as pessoas em uma aldeia entendem o mundo e tudo o q nele existe, da mesma forma que nós aprendemos com livros e aulas nas escolas. Mas as narrativas indígenas também tem outra diferença em relação à nossa literatura: elas não são inventadas por um indivíduo específico, como um romance pode ser atribuído a um escritor. São histórias que foram contadas pelos antepassados, que sempre existiram assim e que são apenas mais próximos ou mais distantes.  É por isso que essas narrativas não são fruto da imaginação de uma só pessoa: cada narrador é responsável por modificar alguns detalhes das histórias que conta, além de possuir um estilo próprio que o diferencia dos demais.
            Muitos dos Guarani ainda sabem a sua versão da história da formação do mundo. Mesmo vivendo em condições de vida difíceis  por conta de pressões de fazendeiros, problemas de saúde e outras dificuldades na relação com os brancos, eles não as esqueceram. Na verdade, narrar essas histórias é, muitas vezes, uma forma de resistir aos tempos difíceis.
Os eventos das narrativas se passam em um tempo muito antigo, no começo do mundo. As primeiras humanidades que existiram não eram iguais às de hoje. As pessoas conseguiam se transformar em animais diversos. Não tinham uma forma muito definida. Hoje em dia, alguns pajés ainda conseguem se comunicar com esses habitantes dos tempos primeiros. Quando as almas dos pajés saem do corpo, encontram os espíritos e os antepassados que continuam a viver em seus lugares, conseguindo assim, viver o tempo antigo. Através da leitura de histórias, passamos por uma experiência parecida, pois nossa imaginação também nos transporta para outros mundos e tempos.


Iamandu (ou Nhanderu ou Tupã), o deus Sol e realizador de toda a criação (Mitologia Tupi-Guarani).

Bibliografia:
CESARINO, Pedro. Histórias Indígenas dos Tempos Antigos. São Paulo: Claro Enigma, 2015.
GANERI, Anita. Mitos: Histórias de deuses e heróis e missões divertidas. São Paulo: Publifolhinha, 2015.
GOULART, Michel. 10 mitos de criação da vida e humana In: História Digital. Disponível em: <http://www.historiadigital.org/curiosidades /10-mitos-de-criacao-da-vida-e-humana/>. Acesso em: 08 abr. 2016.
GUARANI, Emerson e PREZIA, Benedito. A criação do Mundo e outras belas histórias indígenas. São Paulo: Formato Editorial, 2011.

VAL, Vera do. A criação do Mundo e outras lendas da Amazônia. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

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