“Nós
vemos a obra do Grande Espírito
em quase
tudo que existe: no sol, na lua,
nas
árvores, nos ventos,
nas
montanhas...
Acreditamos
num Ser supremo,
com uma
fé mais forte
que a de
muitos “brancos”
que nos
chamam de pagãos.”
Tatanga
Mani da Nação Stoney (Canadá)
Há
milhares de anos, povos das mais diversas culturas têm criado histórias para
dar sentido ao mundo ao seu redor. Os mitos não se baseiam somente em fatos.
Muitos deles descrevem as crenças de povos antigos e revelam os deuses e as
deusas por eles adorados. Alguns deuses míticos foram representados com a
aparência humana. Eles exerciam grande poder sobre o mundo desde a Antiguidade.
Antes de compreenderem os acontecimentos naturais com a ajuda da Ciência, como
as tempestades, as enchentes, o pôr-do-sol ou até uma boa colheita, as pessoas
acreditavam que tudo isso fosse causado pelos deuses.
No
começo, os mitos não eram escritos. Os poetas e os contadores de histórias
guardavam tudo na memória e transmitiam para as gerações seguintes. Mais tarde,
os escribas começaram a registrar as histórias tradicionais. Escritores da
Grécia e da Roma antigas, da China e da Índia deixaram registros de seus mitos
mais importantes para as próximas gerações lerem. Em outras culturas, como
algumas africanas, a norte-americana e a aborígene australiana, os mitos ainda
são relatados oralmente.
Antes
de as pessoas conhecerem a origem do mundo, os mitos já existiam para explicar
como os seres e as coisas haviam sido criados. São histórias sobre os primeiros
tempos da Terra e o surgimento dos seres humanos, das plantas e dos animais. Em
vários mitos, terra e mar teriam sido formados a partir do caos ou do nada por
um grande deus ou espírito.
Histórias Indígenas
No
Brasil atual, vivem cerca de 900 mil índios, que falam 274 línguas e se dividem
em 305 etnias (Censo 2010, IBGE). Muitas dessas línguas são tão diferentes
entre si quanto o português com relação ao russo ou ao árabe. Cada povo possui
a sua língua e a sua cultura, que são também bastante distintas umas das
outras.
O
Brasil é, portanto, um dos países com a maior diversidade cultural e
linguística do mundo. Quando chamamos todos esses povos que vivem aqui de
indígenas, não conseguimos perceber a diversidade real que os caracteriza. O
nome “indígena” não deve nos fazer esquecer da existência dos Yanomami, dos Marubo,
dos Guarani, dos Bororo, dos Kuikuro, dos Wayâpi, dos Desana, dos Kaxinawá e de
outros tantos povos distribuídos por
todo o Brasil e por seus países vizinhos.
Essa
diversidade de línguas e de culturas faz com que os povos indígenas tenham,
também muitos conhecimentos. Eles tem os seus modos de classificar os animais e
as plantas, sabem nomes de constelações e conhecem remédios para curar diversas
doenças, além de possuírem muitas festas e rituais.
Uma
das maneiras mais importantes de transmitir todos esses conhecimentos é pela
tradição oral. Através dela, algumas pessoas consideradas mais sábias, em geral
os mais velhos e o pajés, costumam narrar histórias sobre a formação do mundo e
dos seres humanos, além de toda uma série de acontecimentos que se passaram nos
tempos antigos.
Na
tradição europeia, o mito é considerado algo fictício ou fantasioso, em suposta
oposição aos acontecimentos históricos, que seriam verdadeiros, comprovados por
documentos e fatos. Segundo esse ponto de vista, as narrativas contadas pelos
povos indígenas não poderiam ser verdadeiras porque tratam de temas
extraordinários, como os feitos dos espíritos, a vida depois da morte ou a
transformação de humanos em aniamis. Elas não passariam, portanto, de mitos,
lendas ou contos, mas não histórias que, do ponto de vista de seus narradores,
realmente aconteceram.
Através
do estudo de outras culturas e formas de pensamento, sabemos hoje que a verdade
não é universal, assim como as formas pelas quais pode ser contada. O
importante, assim, é saber que essas narrativas são verdadeiras do ponto de
vista dos povos indígenas, tão verdadeiras quanto são para nós as histórias da
independência do Brasil ou da evolução humana.
É
através desses episódios, escutados da boca dos narradores, que as pessoas em
uma aldeia entendem o mundo e tudo o q nele existe, da mesma forma que nós
aprendemos com livros e aulas nas escolas. Mas as narrativas indígenas também
tem outra diferença em relação à nossa literatura: elas não são inventadas por
um indivíduo específico, como um romance pode ser atribuído a um escritor. São
histórias que foram contadas pelos antepassados, que sempre existiram assim e
que são apenas mais próximos ou mais distantes.
É por isso que essas narrativas não são fruto da imaginação de uma só
pessoa: cada narrador é responsável por modificar alguns detalhes das histórias
que conta, além de possuir um estilo próprio que o diferencia dos demais.
Muitos
dos Guarani ainda sabem a sua versão da história da formação do mundo. Mesmo
vivendo em condições de vida difíceis
por conta de pressões de fazendeiros, problemas de saúde e outras
dificuldades na relação com os brancos, eles não as esqueceram. Na verdade,
narrar essas histórias é, muitas vezes, uma forma de resistir aos tempos
difíceis.
Os eventos das
narrativas se passam em um tempo muito antigo, no começo do mundo. As primeiras
humanidades que existiram não eram iguais às de hoje. As pessoas conseguiam se
transformar em animais diversos. Não tinham uma forma muito definida. Hoje em
dia, alguns pajés ainda conseguem se comunicar com esses habitantes dos tempos
primeiros. Quando as almas dos pajés saem do corpo, encontram os espíritos e os
antepassados que continuam a viver em seus lugares, conseguindo assim, viver o
tempo antigo. Através da leitura de histórias, passamos por uma experiência
parecida, pois nossa imaginação também nos transporta para outros mundos e
tempos.
Iamandu
(ou Nhanderu ou Tupã), o deus Sol e realizador de toda a criação (Mitologia
Tupi-Guarani).
Bibliografia:
CESARINO,
Pedro. Histórias Indígenas dos Tempos
Antigos. São Paulo: Claro Enigma, 2015.
GANERI,
Anita. Mitos: Histórias de deuses e
heróis e missões divertidas. São Paulo: Publifolhinha, 2015.
GOULART,
Michel. 10 mitos de criação da vida e humana In: História Digital. Disponível em: <http://www.historiadigital.org/curiosidades
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GUARANI,
Emerson e PREZIA, Benedito. A criação do
Mundo e outras belas histórias indígenas. São Paulo: Formato Editorial,
2011.
VAL,
Vera do. A criação do Mundo e outras
lendas da Amazônia. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.